1 - Lembranças
De repente as imagens voltaram a minha mente. O dia da minha transformação. Eu odiava lembrar da dor.
A noite de 14 de abril de 1897 estava fria para uma noite de primavera. Meus pais Sophie e Alexander Seaks haviam morrido uma semana atrás, num acidente de carro. Eles estavam voltando de Lucca, uma cidadezinha perto de Florença, onde eu nasci e onde nós morávamos. Eles tinham falado pra mim que iriam até uma loja de Lucca comprar alguns produtos para a floricultura de mamãe. Eu estava na casa de uma amiga, do qual nem lembro mais o nome. Na volta, houve uma colisão. O carro do meu pai bateu de frente com o carro de um homem, Joseph Agillerra. – eu lembrava o nome dele claramente, pois eu fiz questão de matá-lo quando virei vampira. – Meus pais morreram na hora. Um casal que passava por lá chamou a policia e os bombeiros, mas já não adiantava. Eu fiquei sabendo pela mãe da minha amiga. A informação da morte dos meus pais foi passando de um pra outro, até chegar a mim.
Eu não tinha ninguém. Minha família eram os meus pais. Não havia mais ninguém. Avós, tios; nada. Levaram-me para um abrigo imundo. Eu fugi e passei a viver escondida num canto da nossa casa, que estava abandonada. Algumas telhas caídas, as paredes ameaçando desabar... Ninguém se atrevia a entrar lá.
Eu estava envolta em um mundo de dor. Não havia ninguém com quem eu pudesse conversar ou viver. A única possibilidade era eu morar com a família da minha amiga, se ela não tivesse se mudado para o Chile. Eu não tinha muito dinheiro – só tinha o dinheiro que meus pais guardavam pra mim no futuro. Ainda assim, era pouco o dinheiro que estava numa bolsinha vermelha dentro do meu guarda-roupa. –, e só o usava para comprar comida. Eu estava realmente um farrapo humano de 13 anos.
Na noite do dia 14 de abril – minha última noite como humana - eu resolvi ir até uma praça que tina perto de casa. Às vezes eu ia lá. Mas ia principalmente de noite, porque eu não gostava de incomodar as pessoas. Cortaram a energia e a água de casa. Eu fedia. As pessoas que me viam me olhavam torto. Então eu trocava o dia pela noite. Eu dormia de dia, e de noite saía. Só saía de dia para comprar comida ou alguma outra coisa que eu precisasse.
Sentei num banco vazio, e fiquei olhando para o céu, imaginando o rosto dos meus pais nas estrelas. Devia ser por volta das oito e meia da noite.
De repente, ouvi um movimento bem próximo de mim e me virei. Sentado ao meu lado, havia um homem. O mais belo homem que eu já havia visto em toda a minha vida. Ele tinha cabelo curto ruivo e liso, a pele pálida; extremamente branca. – achei que ele devia ter alguma doença. Ele era branco de mais. – Ele tinha áreas roxas em baixo dos olhos, sobrancelhas grossas e escuras, um nariz reto, lábios finos e... Olhos assustadores. Olhos vermelhos. Olhos escarlates. Eu devia ter tido medo. Eu devia ter corrido. Mas não. Eu fiquei encantada com a beleza dele. Embora assustador, era lindo. Um deus.
– Não tenha medo. – ele sussurrou. Sua voz era suave e seu hálito era doce. Eu não consegui tirar os olhos dele. – Mas, agora me diga, qual é seu nome bela garota? – ele tocou meu queixo com os dedos. Sua pele era muito, muito fria. E dura. Mas eu não tive medo. Estava extasiada com a beleza dele e com a sua voz convidativa.
– B... B... Becca – gaguejei. Ele me deixava confusa. – Becca Se... Seaks.
Ele abriu um amplo sorriso. Por um instante, eu perdi a linha de raciocínio. Meus olhos ficaram presos no sorriso perfeitamente lindo dele.
– E, quantos anos você tem querida? Pressuponho que você tenha uns dez anos... – Ele olhou para a lua, que estava cheia, e depois olhou pra mim. – Estou certo?
– Não senhor, eu tenho 13. – foi estranho chamá-lo de senhor. Ele era tão perfeito, não devia ter mais de vinte cinco anos.
– Oh! – ele exclamou. Sua voz era suave como seda. – Você tem um rosto muito angelical para sua idade. – ele refletiu. – é claro que seu rosto está oculto por toda essa sujeira, mas eu vejo potencial. Conte-me criança, porque você está assim, tão... Maltratada?
Eu odiava quando as pessoas me chamavam de criança. Eu não era mais criança. Eu geralmente reclamava, mas a sua beleza me deixava muda. Demorei um pouco para entender que ele havia feito uma pergunta.
Olhei para o chão para poder me concentrar no que dizia.
– Meus pais morreram, e eu não tenho ninguém. Levaram-me para um abrigo, mas eu fugi. Eu vivo nas ruínas da casa onde eu morava com meus pais. Ela está abandonada.
Olhei-o quando terminei de falar. Ele sorriu presunçosamente. Tive a impressão de que sussurrou algo como: “casa abandonada hein? Interessante...”, mas não tive certeza.
– Que pena. – ele ainda sorria, quase desmentindo o que acabara de dizer.
Eu tremi de frio. Aquela noite estava estranhamente gélida.
– Molto Benne. – falou tão baixo que eu mal pude ouvir. – Você está se comportando melhor do que o esperado. Desculpe-me, mas terei que ser franco com você agora. Mas primeiro, está confortável para uma longa e estressante conversa?
– Não muito. – fui sincera.
– Já que você cooperou me diga o que você precisa para estar confortável, e seu desejo será uma ordem. – ele riu. Lembro de ter pensado que ele era algo como um gênio da lâmpada. – Seja franca querida. – seu pedido mais parecia uma ordem.
– Eu estou com frio e um pouco de fome. – respondi
– Imagino que deve ter alguma comida em sua casa certo?
– Sim. – eu fiquei confusa.
– Você não se incomoda de irmos pra lá não é? Tenho certeza que a sua casa é bem mais confortável do que esse banco no meio da rua.
Eu não conseguia me concentrar se ficava olhando nos olhos dele, e não conseguia olhar pra baixo. Fiquei estática por instante. Ele se levantou.
– Vamos? – perguntou, ajeitando a roupa. Pela primeira vez, eu prestei atenção no que ele vestia e não no seu rosto ou em que ele falava. Ele usava calça e blusa pretas, botas de couro preto e um sobretudo marrom. Ele estava muito elegante. Ele não era muito alto. Logicamente mais alto do que eu, mas não era assim tão alto.
– Siga-me – falei levantando-me e andando na frente dele até a minha casa.
Algo em sua aparência lindamente assustadora me deu confiança para dizer o que disse. Ele me dava confiança. Com ele não teria perigo. Eu só não enxerguei que o problema era ele.
Minha casa não era longe, então segui na frente sem olhar para trás, só sabendo que ele seguia atrás de mim porque ouvia seus passos. Minha casa era grande, e tinha um celeiro, onde antigamente tinham algumas galinhas, que morreram fazia dois anos. Parei em frente à porta do celeiro e me virei para ver se ele ainda estava lá.
– Aqui é mais seguro para uma conversa. Pelo menos as paredes não estão ameaçando cair. – soltei uma risada curta e sem humor. – Eu vou pegar alguma coisa pra comer na cozinha. – soltei a tranca do celeiro. – Pode entrar... É... – naquele momento me dei conta de que não sabia o nome dele. – Qual é seu nome mesmo?
Coloquei a ponta dos dedos na testa tentando me lembrar se ele havia revelado seu nome em algum momento.
– Jared Kimn. – ele respondeu rapidamente. Surpreendi-me que ele tivesse respondido. Imaginei que ia dizer que não importava.
Fui para a cozinha enquanto ele entrava lá dentro. Um pensamento horrível me ocorreu. Um ser monstruoso e com certeza perigoso estava na minha casa.
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